Niterói e São Gonçalo vão à Justiça contra a Enel

Prefeituras decidem processar distribuidora de energia, que muda estratégia de comunicação após entrevista desastrosa de CEO em São Paulo

por Marcelo Dias

11/20/20233 min read

Uma pequena vela ilumina a escuridão
Uma pequena vela ilumina a escuridão

Demorou, mas finalmente as prefeituras de Niterói e São Gonçalo foram à Justiça contra a Enel. Os clientes da empresa sabem que basta um sopro de mosquito para cair o fornecimento de energia nas cidades onde a distribuidora italiana atua.

Na semana retrasada, o presidente da Enel São Paulo deu uma série de entrevistas desastrosas, culpando a tudo e a todos, exceto a própria Enel, pelo blecaute que deixou milhões de pessoas às escuras no estado vizinho após as fortíssimas ventanias que derrubaram árvores e a fiação elétrica — que deveria ser subterrânea para evitar esse risco...

O executivo começou a série de entrevistas com marra, cara fechada, e enfiado num impecável terno com gravata, em vez de calçar as sandálias da humildade e dispensar o paletó. Se aparecesse de camisa social, com mangas arregaçadas, não passaria a imagem de um sujeito que acabou de ser retirado a contragosto de sua sala refrigerada, mas sim a de um camarada comprometido a resolver logo o problema de seus clientes.

Aos jornalistas, reclamou dos ventos, disse que nem os meteorologistas previram a violência do tempo, insinuou que não pagaria por prejuízos de consumidores que não estivessem previstos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), defendeu o corte de árvores — aumentando o aquecimento nas cidades! — e em nenhum momento admitiu que a Enel não se preparou para as violentas mudanças climáticas, que já são alertadas por cientistas há alguns anos. Vale ressaltar que o meio ambiente é um dos fatores de risco para o planejamento estratégico de diversas indústrias, como as de geração e distribuição de energia.

Vai dar m...

Claramente, faltou alguém da comunicação para falar "vai dar m...". E deu. A entrevista do CEO foi ridicularizada ao vivo por comentaristas, gerou uma enorme repercussão negativa e sujou ainda mais a reputação de uma empresa que é muito mal vista pelos consumidores. Pior ainda: o discurso adotado era claramente contrário aos interesses do cliente, demonstrando a falta de empatia, interesse e compromisso da companhia em ajudar milhares de moradores e comerciantes que perderam eletrodomésticos, comida e mercadorias perecíveis por causa da inoperância da Enel.

Agora, é a vez dos clientes de Niterói, São Gonçalo, Maricá e outros municípios atendidos pela empresa passarem pelo mesmo drama no Rio de Janeiro. A diferença é que a Enel parece ter aprendido com seus erros e mudou completamente a sua comunicação. Se poupou o seu presidente de ser fuzilado pela imprensa, a empresa apresentou um porta-voz bem preparado para ser entrevistado pela Globo no seu centro de operações.

Além disso, bancou uma campanha em rede de televisão pedindo desculpas pelos transtornos causados após a violenta tempestade cujos ventos chegaram a 137km/h em Niterói. Na peça publicitária, uma gerente fala aos telespectadores do centro de operações e imagens de equipes de manutenção nas ruas mostram o lado operacional da companhia. Desta vez, o tom foi outro. Se a Enel não fala em ressarcir a todos, ao menos não os agride dizendo que não pagará ninguém que esteja de fora das regras da Aneel.

Ainda assim, a companhia está muito longe de reabilitar a sua imagem. Não é da noite para o dia que se recupera o terreno perdido. Esse é um trabalho longo, que exigirá recursos em comunicação e muito tempo investido no relacionamento com a imprensa e, por tabela, a sociedade.

Enquanto isso, diversos moradores de São Gonçalo protestam hoje fechando ruas contra a falta de energia — que também os deixa sem serviços de telefonia móvel, internet, água, impede o comércio de funcionar, prejudica hospitais e deixa ruas sem iluminação e nem sinais de trânsito, aumentando o risco de acidentes fatais. E, às vésperas de ano eleitoral, prefeituras fazem fila na Justiça para processar a Enel, aumentando ainda mais o prejuízo para a sua reputação.