Hering e Reserva: a contradição de duas marcas
Em comunicação confusa, malharias exploram segmento de moda básica enquanto se posicionam para públicos mais sofisticados e prateleiras mais caras
A Hering inaugurou sua primeira loja-conceito no Brasil. O local escolhido é a badalada Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, na Zona Sul do Rio, um dos bairros mais nobres da cidade. Esse anúncio me passaria despercebido se não fosse pela enfatização do press release, que ressalta o destaque às roupas básicas da marca num caso claro em que discurso e posicionamento entram em contradição. Afinal, há muito tempo a malharia deixou de identificar como uma marca de moda básica, acessível a todos, reposicionando-se para se tornar uma grife brasileira. Lembro-me dos tempos em que suas lojas se pareciam com armarinhos, bem simples e... básicas.
Mas, cá entre nós, todos os cariocas sabem que não se pode reunir Ipanema e moda básica na mesma frase. Ipanema é um bairro sofisticado, berço da bossa nova, com o metro quadrado de imóveis entre os mais caros do Brasil. Nada ali é básico, pelo contrário. Existe uma forçação de barra para atrelar à marca a uma característica que não lhe pertence mais, o que é contraditório com a sua reputação atual.
No imaginário do consumidor, a Hering não é mais vista como uma marca de peças básicas. Essa é uma imagem que cabe a Marisa, Leader, Riachuelo, Renner e C&A, por exemplo, redes que atuam no segmento de fast fashion e às peças que compramos nas maravilhosas lojas da Rua Teresa, em Petrópolis, ou na Feira de Teresópolis, tradicionais polos comerciais na Região Serrana do Rio de Janeiro.
Nada simples
Mas a Hering não é a única a promover esse curto-circuito. a Reserva, marca altamente identificada com Ipanema, lançou no ano passado a Simples, supostamente voltada para consumidores de poder aquisitivo menor, mas não pequeno. Na sua própria divulgação, a Simples se diz voltada para o mercado de moda básica, mas com preços superiores aos da Hering, a quem considera como principal concorrente.
Nos dois casos, as duas marcas miram públicos-alvo errados, que não estão na Zona Sul, mas sim nas zona Norte e Oeste (exceto Barra da Tijuca e Recreio, claro). Além da região geográfica, a faixa de preço as afasta do que o consumidor considera como moda básica.
Exemplos chiques
Marcas luxuosas, como Mercedes, Ferrari, Louis Vuitton, Yves Saint Laurent, Armani, Chanel e até Havaianas, por exemplo, apresentam produtos de entrada, menos caros, porém acessíveis a uma classe média com poder aquisitivo suficiente para ir às suas lojas e comprar algo como camisas, bonés, pequenos frascos de perfume, sandálias mais simples e bolsas saindo de coleção até em lojas outlet.
Essa é uma estratégia que não se dissocia do posicionamento da marca, não atenta contra a sua identidade nem causa estranhamento aos seus consumidores tradicionais — como aconteceu com o fatídico Classe A, modelo fracassado lançado pela Mercedes para categorias abaixo da AAA, feio de doer e que saiu logo de linha. Poderia-se também optar por realmente abrir uma marca realmente popular, para um público voltado para moda básica mesmo, ou até mesmo sublinhas de determinados produtos.
O que aparentemente é uma questão circunscrita ao marketing é também um problema para a assessoria de comunicação, já que o discurso da marca difere de suas práticas. No exemplo de Hering e Simples, é altamente contraditório atrelá-las ao conceito de moda básica porque seu posicionamento mira num patamar mais alto. Os dois casos devem servir de alerta para qualquer corporação para que não haja ruídos em sua estratégia de comunicação a partir de contradições em seu discurso.